Às vezes, sinto como se eu fosse um pedaço de carne suculenta. Um frango assado, daqueles que a gente compra no domingo de manhã. Uma comparação estranha, talvez. Mas nada traduz tão bem o momento que estou vivendo. Passo na porta de um bar, no corredor do shopping, na fila do banco e até na escada do jornal: tem sempre um camarada me olhando com olhos de quem está pronto para encarar um rodízio de R$59,90. Muitas mulheres diriam: "isso não é bom? ser admirada é sempre bom!"
Sim, ser admirada é sempre bom, mas não pelo tamanho do seu peito, pela grossura das suas coxas e pelo molejo da sua bunda. A maioria dos homens são capazes de fantasiar pelo menos três posições sexuais aleatórias, com mulheres que atravessam a rua enquanto o sinal não abre. Mas é um desafio para eles enxergar uma qualidade feminina que não faça parte do combo "linda, sexy, inteligente e gente boa".
Aí eu me pergunto: o que é ser inteligente para os seres de bago roxo? Ler jornal de R$0,25 todos os dias, a revista Época toda semana e decorar a opinião dos colunistas para poder recitar no horário do almoço e bancar a fodona? Ser sexy é andar de salto alto e saia curta? Ah claro... Entendi. E ser uma 'linda gente boa' é ter todos os dentes no lugar para poder rir das piadinhas infames, não usar calça 44 e ter as axilas devidamente depiladas? ata! obrigada... agora eu entendi tudo, então.
A verdade é que eu estou farta de ouvir as mesmas histórinhas de sempre: você tem conteúdo, é uma mulher 'independente', tem carro, mora sozinha, tem olho verde, lê Caio F de Abreu e no som do carro rola um blues, jazz e até o bendito barquinho da mpb. É... isso tudo pode ser verdade. Meia verdade, talvez. Mas eu preferia ser vesga, andar de ônibus, trabalhar como atendente de telemarketing, dividir quarto com outras três irmãs e ler revista de fofoca; quando olho para o lado e vejo minhas coleguinhas do ensino médio marcando casamento, escolhendo vestido de noiva e alugando um barraco de 3 cômodos com aquele peão que trabalha no terceiro turno na montagem/manutenção da FIAT.
Não, eu não cheguei na casa dos 30 e não estou ficando para titia (ainda). Aliás, casamento está longe de ser minha prioridade, mas um relacionamento honesto e bonito: sim, é uma puta prioridade.
Cansei de levar a fama de namoradeira, de chegar nos almoços de familia e ouvir o tio dizer: 'oh, já trocou de namorado? o outro parecia mais magro, menos amarelo'. Cansei de flertar no trânsito, de comprar cremes de pele, perfumes caros e vestidos apertados para ver se alguém olha pra mim.
Aliás, qual é o meu problema?
O bendito dedo podre me acompanha desde sempre, virou meu melhor amigo até. Mas não é possível, cheguei em um nível invejável: todos querem me comer, sair pra dançar, trepar no banco de trás do carro, tirar minha calcinha junto com a calça e me add no orkut com aquela frase: 'lindinha, vc é linda'. E não adianta me dizer que eu escolho os caras errados. Meu irmão, eu já peguei preto, branco, amarelo, japonês, magro, alto, bombado, baixinho. Já peguei pobre pé de chinelo, riquinho filhinho de papai, homenzinho trabalhador. Por aqui já passou burro, peão, nerd, doutor, empresário, VASP, gogo boy e até garçom. Já beijei maconheiro, careta, psicopata e alcoólatra. Não é possível que todos, TODOS, não eram o cara certo.
Em uma média de 10 camaradas, pelo menos UM prestou. Eu quis casar. Sim, marquei casamento, planejei filhos fiz orçamento de festa, fiquei em dúvida se alugava, financiava apartamento ou ia morar debaixo da ponte mesmo. E ai? Meu transtorno bipolar sacudiu tudo, eu peguei a contramão e acabou.
Enfim, estou ai: sozinha e mais brega que nunca. Sou do tipo certa de mulher errada, entende? Daquelas que adoram flores, cestas, aliança de compromisso, colarzinho como prova de amor, ursinho de pelúcia, sorvete na praça, foto e depoimento no orkut. Pois é, sou tosca assim, pode aacreditar e me irrita muito ter que manter essa pose de mulher decidida, madura, intocável e insensível. Que acha relacionamento um saco e não suporta dar satisfação à ninguém. Não aguento mais passar maquiagem pra esconder minhas espinhas, olheiras e manchas, comprar lingerie bonita sabendo que nunca vou usá-la e aprender 3 receitas por dia sabendo que não vou cozinhar pra ninguém.
Eu quero mais que um sexo de 20 minutos. Mais que uma noite legal na pizzaria da esquina. Quero um sexo de 20 minutos detalhados, uma pizza de marguerita com borda de catupiri e não venha oferecer cerveja ou choop gelado porque eu detesto. Quero mesmo é um carinho bem DEVAGAR nas costas de pelo menos 15 minutos e um cigarro de palha depois que eu gozar. Não suporto ter que ficar esperando mais 55 minutos para que você se canse de meter forte em mim, naquele entra e sai maldito que só me faz ter vontade de fazer xixi mais rápido. Quero pelo menos seis mensagens bobas ao longo do dia, um almoço por semana e uma observação mensal sobre meu cabelo, minha unha ou sobre o vestido novo que comprei.
Talvez eu esteja querendo demais mesmo e é provável que esse seja meu problema: querer demais, planejar e esperar demais dos outros. Talvez eu tenho mesmo que aprender a gostar de coisas simples, não exigir tanto e me contentar com pouco. Talvez esse seja o segredo das minhas amigas do ensino médio, que vão casar com os peões da FIAT em uma festa na laje e morar no barracão de 3 quartos.
Que seja. E se for, fudeu!
Porque eu não sei querer menos e não quero aprender querer menos, entende?
Não sei ser uma pessoa fria, morna, que vive na base do tanto faz. Não quero me sentir constrangida com os olhares dos colegas pedreiros que querem me devorar com o macarrão que sobrou de ontem. Não sei deixar acontecer, ver no que vai dá e pagar ver. Eu vivo na base do oito ou oito, nem existe oitenta. Eu quero quente pelando, arrancando a pele, cravando as unhas, rangendo os dentes. Quero agora e me deixa em paz com meu pra sempre.
Quero ser a boa menina que a sogra adora, que o sogro faz carinho na cabeça, a cunhada pentelha e o NAMORADO venera. Quero ficar o dia inteiro grudado, de segunda à segunda, e mesmo assim sentir saudade. Quero ser a tal: a mais bonita, a mais legal, a mais gostosa e a que geme mais gostoso enquanto dá. Quero ser a putinha de alguém durante a noite e a mulher dos sonhos durante o dia. Quero dar de quatro, falar putaria ao pé do ouvido, conhecer mil motéis e aos domingos passear de mãos dadas pela orla da Pampulha, levando o Petter no banco de trás e fazendo viagens legais pelas cidades do interior no fim de semana. Quero mesmo é encontrar minha outra metade da laranja e aposentar de vez minha caipirinha.
Reclamei da vida e dos acasos com minha super amiga, que sempre tem as respostas para tudo e é dona de uma calma bizarra. Desabafei sobre essa história do frango e ela me escutou' atentamente, respirou fundo, disse meia dúzias de palavras previsíveis, do tipo: você é sim um frango suculento. Pois é, por fim ela riu e me mandou um trecho de Machado de Assis, que fala sobre mulheres e maçãs. Minha amiga tentou me convencer que o problema não sou eu e sim os caras e no poema do Machadão, ele diz que as mulheres bem resolvidas assustam os homens fracos. Ele fez questão de dizer que "elas tem que esperar um pouco mais que as outras para o homem certo chegar".
PUTA QUE PARIU, seu Machado, esperar? Quantos séculos mais?
Já estou criando uma resistência sinistra em beijar novas bocas, sentir novos gostos e cheiros, apresentar novos caras para os pais e avós. Afinal, eu sei que vai acabar! Sempre acaba, maldição.
E eu não tenho quem culpar. Pensei seriamente em consultar um especialista, fazer sessões de psicanálise, trocar o lexotan por um floral qualquer, fazer iôga frequentar grupos de terapia. Mas, no fim das contas eu sei bem o que quero, não preciso que um desconhecido venha repetir o que minha consciência faz questão de cuspir na minha cara todos os dias pela manhã e antes de dormir, quando me olho no espelho: quero mesmo é não ter mais tempo livre para ficar cerca de 45 minutos escrevendo sobre meus devaneios, anceios e segredos sexuais. Quero não ter que que brigar com o cantor do barzinho quando ele dedilhar o Ultimo Romance dos Hermanos ou quando ele me negar fazer o solinho do Gram.
Quero voltar a escrever e falar de amor, da maneira mais tosca e clichê possível. Voltar a ouvir canções bonitinhas daquela cantora piegas e sentir borboletas fazendo pousos rasantes em meu estômago toda vez que o cara-pálida tocar o interfone. Por que eu sou assim, brega ao cubo: adoro ganhar sonho de valsa na roda gigante depois de compartilhar canudinho de plástico no mesmo copo de milkshake.